A cena parece, de fato, colorida pelo desejo atordoado de Jeffrey: mal arrumada num vestido de veludo que parece saído de uma garrafa de xarope, sussurrando molemente “Blue Velvet” num microfone antiquado e banhada por uma luz azul, Dorothy é a apoteose dos mistérios baratos do sexo, ou melhor, do sexo tal como é concebido, como a exaltada província da vontade masculina. Dorothy é um recipiente vazio no qual os desejos de Jeffrey se derramam em cascata; o “olhar” controlador do rapaz é tão direto e fundamental que é quase uma paródia da teorização feminista, exceto pelo fato de que podemos estar seguros de que Lynch não cogitou de tais estratégias políticas. Na verdade, o papel de Dorothy no filme, como vítima das fantasias masculinas – inclusive das de Jeffrey –, transforma o aparato teórico costumeiro em verdadeira questão temática. Dorothy é sempre idealizada (de tantas maneiras quantos são os personagens masculinos, mas nunca é materializada como objeto sexual para o espectador), sua luta principal é com essas idealizações; ela precisa lutar e negociar com elas para encontrar tanto o filho desaparecido quanto sua renovada autoestima como mãe.
Michael Atkinson, crítico de cinema, em Veludo Azul (Editora Rocco; pgs. 48 e 49). Abaixo, Isabella Rossellini, imortalizada no papel de Dorothy, é dirigida por David Lynch (sentado) na cena citada pelo crítico.
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