Café Society, de Woody Allen

O pequeno Woody Allen de Sonhos de um Sedutor queria mais do que as dicas de Humphrey Bogart, seu amigo imaginário: desejava ser o próprio ator e, por consequência, conquistar as mulheres. Estavam em jogo as diferenças entre o homem raquítico, desajeitado, e o sedutor de terno claro, dono de um bar em Casablanca.

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Com um terno branco e à frente de um badalado restaurante nova-iorquino, em Café Society Allen realiza seu sonho – como brincadeira – na pele do ator Jesse Eisenberg. Se tivesse sido feito décadas antes, o papel não seria de outro senão de Allen.

Eisenberg – antes desajeitado, depois vívido – embarca de Nova York para Los Angeles. Está em busca de um emprego que o tio rico, produtor de Hollywood, Phil Stern (Steve Carell), pode lhe proporcionar. Não é muito, como se verá: o tio deixa o rapaz por alguns dias em um hotel, a esperá-lo, e depois lhe dá um trabalho menor.

O que se espera do rapaz nem sempre se confirma: como Allen nos anos 70, ele não é tão inocente como parece. Na esteira do Alvy Singer de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, pode subverter expectativas, dizer coisas surpreendentes, fora do lugar.

E ninguém tirará sua razão quando se trata da companhia escolhida: Kristen Stewart não é alta como Blake Lively e talvez nem tão bela, muito menos corpulenta. Ainda assim, compreende-se o rapaz: ele nasceu para a outra, para viver do lado errado. O fim não poderia ser menos amargo, desgostoso, quando todos comemoram o ano novo.

Allen está em plena forma na casa dos 80 anos. Volta à velha Hollywood dos grandes templos aos pés de deusas como Barbara Stanwyck, de festas patrocinadas por homens como William Wyler, de reuniões com ninguém menos que Ginger Rogers.

Nesse meio claro, ensolarado, quase não há camadas: todos sorriem, elogiam-se, trocam tapinhas nas costas. A essa Los Angeles que Allen nunca escondeu desgostar, Nova York serve de contraponto: é a cidade fria com igual número ou mais pecadores, mas na qual os mafiosos misturam-se aos endinheirados da alta sociedade, na qual todos sabem da vida de todos – e, ao que parece, ninguém se importa com isso.

A fotografia do mestre Vittorio Storaro oferece esse conflito de ambientes, e Los Angeles, nos templos dos homens do cinema, é sempre maior do que parece. Não se duvida da opulência que o local exala, ainda que abunde fragilidade.

Explicam-se, portanto, os desejos e sonhos do casal. Bobby (Eisenberg) convida Vonnie (Stewart) para se mudar para Greenwich Village, à época um reduto de artistas libertários. Vivem o sonho que não podem alcançar. Ela escolherá a comodidade de um homem rico, ele tornar-se-á gerente de um restaurante badalado.

O jeito de Eisenberg não difere do que se viu em outros de seus filmes. Difícil imaginá-lo em papel dramático. Allen compreende e sai atrás do drama em menor expressão, no fundo dos olhos. Dali sai a explicação necessária, nem muito nem pouco.

Esse homem apaixonado, dobrável, finge ser Rick Blaine (Bogart) em um universo de falsidades, com pouco para ser levado a sério. O que há de maior resta aos pequenos instantes de melancolia: o tempo paralisado, expresso no rosto de Bobby, ou de Vonnie, enquanto tudo parece mudar (é ano novo), ainda que tudo continue como sempre foi.

(Idem, Woody Allen, 2016)

Nota: ★★★★☆

Veja também:
Especial Woody Allen

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