O primeiro longa-metragem de Stanley Kubrick volta-se a um tema comum em sua filmografia: a guerra. O conflito em questão é indefinido, tampouco os lados da batalha, quando quatro soldados tentam sobreviver ao território inimigo.
Em boa parte da história, enfrentam a guerra, não suas particularidades. Vale explicar: a guerra, segundo Kubrick, é o problema maior, não os conflitos regionalizados – como se veria em filmes posteriores como Glória Feita de Sangue e Nascido para Matar.
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A batalha contra a própria guerra é central: os inimigos estão quase sempre distantes, no céu ou em uma grande casa, e, quando próximos, não são diferentes.
Para deixar isso claro, Kubrick utiliza dois de seus atores para viverem duas personagens diferentes, em dois lados da batalha. Não há heróis. Os soldados em fuga refletem os inimigos no interior da grande casa, um general e seu capitão.
As quatro personagens entre a mata poderiam evitar o conflito, escapar ilesas. Uma delas, interpretada por Frank Silvera, não resiste à possibilidade de matar o general do outro lado. Coloca tudo em risco. Próximo à morte, seu olhar é de excitação.
A guerra, diz Kubrick, é uma doença, é inexplicável. Para representá-la, precisa apenas de poucos homens à mata, isolados, enlouquecendo pouco a pouco – com um delirante Paul Mazursky (o futuro cineasta) na pele do jovem americano perdido e louco, e Kenneth Harp como rascunho do homem do cinema clássico, polido e falso.
Pois Harp não cabe na estética moderna de Kubrick – moderno desde cedo, violento, pouco chegado a concessões. O ator funciona melhor como o general confinado entre sombras, na grande casa, do que como protagonista da fuga.
Mesmo em seus trabalhos menos contundentes, como este Medo e Desejo, Kubrick tem muito a oferecer. Vê-se o cineasta em evolução, realizador de belas imagens, mas deficiente em sua articulação, na decupagem e depois na sala de edição.
Os momentos em que Mazursky divide com a bela Virginia Leith poderiam ser repulsivos – e no fundo são –, mas terminam como uma saída para Kubrick expor a infantilidade dos soldados, de meninos que só podem ter mulheres à base da força.
Soldados assim terminam no mesmo ponto, loucos. Para expor essa estranha alucinação, o diretor lança pela mata a névoa que recobre, ao fim, o mesmo menino e seu companheiro machucado, no momento em que são avistados pelos outros.
O fim, como o início, é estranho. Os homens continuam no mesmo ponto. É diferente de Glória Feita de Sangue, no qual os homens terminam envergonhados sob o poder do canto feminino, em um bar de machos durante a Primeira Guerra Mundial.
As mulheres confrontam os homens nesses conflitos: representam o ponto fora da curva, curiosa transgressão. Podem ser violadas – e serão – apenas à base da força. Na bela Leith, vê-se um rosto quase sem alma, que não precisa se explicar. É como se Kubrick quebrasse o velho romantismo dos soldados que deixam amores pelo caminho.
Cheio de defeitos, Medo e Desejo ainda assim fascina. O pior da guerra reproduz-se sem esforço, com imagens impactantes e homens sem qualquer heroísmo.
(Fear and Desire, Stanley Kubrick, 1953)
Nota: ★★★☆☆
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