O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco

Do interior da cela, em O Beijo da Mulher Aranha, nasce o relacionamento entre dois homens: o homossexual alienado Luis Molina (William Hurt) e o bruto politicamente engajado Valentin (Raul Julia). O que se põe ao centro é a ligação, o entendimento, a convivência difícil de imaginar.

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O segundo deixa passar despercebido o que o primeiro, atraído e apaixonado, enxerga com facilidade: eles completam-se com suas diferenças, no pouco espaço da cela.

Valentin é um jornalista revolucionário preso pelos ditadores no Brasil dos anos 80. Eram, na vida real, os dias finais do regime. Na obra, a repressão segue a todo vapor – como indica o olhar do jornalista, pela pequena abertura no alto da parede, enquanto observa a chegada de novos companheiros espancados ao presídio.

Ao se voltar à cela, vê apenas Molina – igualmente as histórias contadas por seu novo amigo, sobre antigos filmes repletos de estilo, propositalmente falsos e exagerados segundo o olhar do imaginativo e delicado homossexual.

O Beijo da Mulher Aranha começa com um movimento de câmera que atravessa a cela, por paredes, sombras, fotos de velhas atrizes e de um mundo regado às celebridades que contrapõe o espaço bruto e palpável, uma masmorra aos ainda vivos como Valentin.

A obra, com exceção das movimentadas sequências finais nas ruas de São Paulo, não tem realismo. Prefere um universo à parte, como se as personagens – apesar do olhar de Valentin – fossem levadas por sonhos, para não estar onde estão.

Não para por aí: Babenco ou leva ao inferno irreal, confins escuros de uma cela na qual até o sexo é ocultado, ou prefere sonhos à base da fotografia em tons mofados, em um tempo de guerra – a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra – no qual o amor vence a politicagem.

É história de Molina contra o olhar de Valentin: uma disputa entre dois pontos de vista. Contudo, segundo o roteiro de Leonard Schrader, a partir da obra de Manuel Puig, eles trocam de lado: o revolucionário aprende a amar, o homossexual alienado adere à causa da minoria e sai em missão política, ao fim, para ajudar seu grande amor.

O filme pertence a Hurt, no papel de sua carreira. Como Molina, faz o público vibrar e até esquecer as imperfeições de O Beijo da Mulher Aranha. Seu gesto inicial, quando enrola a toalha na cabeça, define a obra: a delicadeza impossível àquele ambiente.

Em momentos, o visual faz pensar no cinema de Fassbinder. Em outros, aproxima-se de um thriller político de Costa-Gavras passado em algum país periférico. O fundo brasileiro nem sempre dialoga com a frente, com personagens (a maior parte vivida por atores brasileiros) obrigadas a falar em língua inglesa. Ao contrário da dupla central, os vilões não convencem.

Estranhos encontros geram um filme estranho e fascinante, de nostalgia e tragédia, sem medo de parecer falso quando sai em busca de efeitos verdadeiros, dos gritos de desespero de um país ainda fora de eixo. Molina, herói improvável, destrói-se pela paixão. Valentin marca seu encontro com a consciência política.

Nota: ★★★★☆

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