A família Puccio precisa aprender a conviver com os gritos de seus sequestrados. Alguns conseguem, outros não. Uma das filhas confessa desespero, seu limite; outro filho viaja para não voltar mais, não aguenta a situação. Esse meio de mortes e sequestros sob a fachada da família ideal surge aos poucos em O Clã.
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O cenário dos anos 80, com o fim de uma ditadura, traz mudanças à Argentina. Quem antes trabalhava no sistema repressivo, como os Puccio, tem de se adaptar aos novos tempos. Em cena, não demora para que os filhos comecem a questionar as práticas criminosas do pai, até então um soldado fiel dos ditadores.
O homem recusa-se a mudar e segue com sua onda de crimes, ou apenas com o único trabalho que sabe desempenhar. No filme de Pablo Trapero, incomoda a frieza do líder do clã, Arquímedes (Guillermo Francella), enquanto desenvolve seus trabalhos.
O filme é sobre a dificuldade de mudança, sobre negar a transformação de um país que tenta migrar à democracia. Em uma cena esclarecedora, na prisão, o protagonista dialoga com um companheiro, adepto a práticas semelhantes às suas, e este diz que o novo governo não deverá durar muito. Ainda acreditam na volta do velho sistema.
Em oposto está o filho, ponto de encontro do espectador com alguma humanidade – ainda que nele estejam a dúvida e a impotência, e ainda que Trapero nunca o encaminhe à absolvição. Preso, ao fim, ele diz ser inocente.
Uma história de perda, de dor, como são as histórias sobre ditaduras. O filho perde mais, claro, como seus irmãos. Já se sabe, no início, que aquele universo de crimes, naquela família aparentemente pacata, cedo ou tarde irá desmoronar. O público fica com as entranhas, com os detalhes, com o processo de perda – com as personagens.
O roteiro de Trapero, escrito com Julian Loyola e Esteban Student, prefere o distanciamento entre pai e filho, a cisão entre gerações, o meio entre o sofrimento com os gritos do cômodo inferior – no qual os sequestrados são mantidos em cárcere – e a tentativa de não enxergar, estar alheio.
Em uma sequência interessante, o filho Alejandro (Peter Lanzani) faz sexo com a futura namorada enquanto o pai, em montagem paralela, participa da morte de uma vítima. Até certa altura, o filho, jogador de rúgbi em importante time argentino, dá apoio ao pai nos sequestros. Mais tarde, prefere tomar distância.
A vida de mentira reproduz a própria ditadura: é o meio no qual impera o silêncio, no qual o grito das vítimas permanece abafado, cortado pelo som do rádio ligado – entre pessoas que preferem ouvir um ou outro. Ainda que Trapero faça concessões e trabalhe inclinado às formas comerciais, não dá para negar o impacto da obra.
Na contramão de figuras frias e pouco dispostas a se revelar, como em Do Outro Lado da Lei e Nascido e Criado, o cineasta libera aqui seus seres ao banho de emoções, às características que dão vez ao pior de cada um.
(El Clan, de Pablo Trapero, 2015)
Nota: ★★★☆☆
Veja também:
Nascido e Criado, de Pablo Trapero