A adoração a Federico Fellini levou Woody Allen a Memórias, em 1980, sua versão de Oito e Meio. É sobre um cineasta que revê a própria vida. Não se trata de plágio, mas de homenagem. Allen nunca escondeu a paixão pela filmografia do italiano.
Se na obra de Fellini há suas figuras típicas, seu circo e seus palhaços, na de Allen sobram características do cômico americano: suas crises, seus problemas de relacionamento, seu retorno constante ao cinema.
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Mais tarde, com Celebridades, Allen deságua em outro Fellini, na obra-prima A Doce Vida. Com o diretor de fotografia favorito de Ingmar Bergman, Sven Nykvist, e em preto e branco, ele leva ao público às aventuras de um jornalista, escritor frustrado, que talvez se aventure no cinema com algum roteiro capaz de fazê-lo faturar alto.
O cinema move-se em velocidade maior nos Estados Unidos. As celebridades também: há sempre algo a fazer, sempre algum evento, lançamento, sempre um artista a dizer algo esdrúxulo, a colocar objetos fálicos gigantes nos locais inesperados.
A velocidade do cinema é celebrada logo na abertura, em contraponto à calmaria dos verdadeiros artistas. E o cinema, em Celebridades, pede socorro: um avião cruza o céu e escreve, com fumaça, esse pedido, o “socorro” que servirá à trama filmada, com uma bela atriz, seu diretor apressado e o jornalista ao fundo.
Esse intruso tem explicação, como tinha o Marcello (Marcello Mastroianni) de A Doce Vida, em suas noites na companhia de belas mulheres: o jornalismo é a profissão que permite acessos, que une os seres de carne e osso às intocadas celebridades.
Estas, ao que parece, tentam viver como seres de carne e osso, ainda que uma aura sempre as separe dos demais: caminham e se comportam como seres diferentes, dançam como outros, trocam olhares e saliva como gestos passageiros.
Como Fellini, Allen celebra a beleza do vazio, a tal “doce vida” sem muito a oferecer. Seu jornalista está intoxicado pelo universo festeiro, pelas passarelas e bastidores, pela luxúria: não consegue resistir às belas mulheres, tão belas são elas.
Há um efeito curioso, irônico: o próprio espectador fica intoxicado pelo vazio, sem poder se despregar das lembranças de A Doce Vida. A ideia de cópia é imediata: se Mastroianni tem sua escapada com a bela Sylvia (Anita Ekberg), o jornalista vivido por Kenneth Branagh aventura-se com a modelo de Charlize Theron.
Com ela, não poderá ir “até o fim”. O espectador entende essa vítima da contemplação, que nunca chega a ser parte daquele meio. É no fim de Memórias que o protagonista, vivido pelo próprio Allen, encontra a beleza, ainda que distante, na aparição da ainda jovem Sharon Stone. Como o Marcello de A Doce Vida, não poderá tocá-la.
Foto 1: encerramento de Memórias
Foto 2: encerramento de A Doce Vida
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