A normalidade é quebrada pelo desejo de uma mulher que irrompe assim, inexplicável e indomável, cortando com faca o amor conjugal do sexo. Assustada e culpada, Alice confessa ao marido o objeto de seu tormento, que emergira numa troca de olhares com um desconhecido. A irrupção do desejo tem um efeito devastador; na magistral sequência da confissão, Kubrick nos faz ver o que Hölderlin já notara: que as palavras têm o poder de ferir, de matar. Atingido em cheio por uma revelação que o interpela como homem e transforma sua mulher num enigma, William sai em busca da experiência que lhe permita conservar seu amor. E, como ocorre com Leonore, na ópera de Beethoven, a senha para salvar seu casamento é transformar-se em Fidelio e arriscar-se nos subterrâneos do poder.
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O filme traz à tona aquilo que a aliança do cristianismo com o capitalismo, vale dizer o seu “espírito”, quer ocultar por ser a base mesma sobre a qual a sociedade se institui: a negação ou a satanização do desejo e a sua sublimação através da culpa.
Laymert Garcia dos Santos, sociólogo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na Folha de S. Paulo (5 de setembro de 1999; leia aqui), na ocasião do lançamento do filme de Stanley Kubrick no Brasil.
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