O roteirista Paul Schrader teria se inspirado em Rastros de Ódio, de John Ford, para escrever Táxi Driver. Como no faroeste, o homem retorna da guerra e, solitário, depara-se com um universo dominado por “estranhos”, por bandidos e cafetões.
O diretor Martin Scorsese e seu diretor de fotografia, Michael Chapman, constroem o filme em tons escuros, realistas, com o vermelho e outras poucas cores como partículas em meio às sombras. Sem dormir, tentando se enquadrar a essa sociedade, Travis ao mesmo tempo se vê excluído: fracassa na tentativa de conquistar uma bela moça, enquanto se vê atraído pelas palavras de ordem de um candidato – palavras que prometem a inclusão que o mesmo não vê em suas andanças por Nova York.

A abertura
Os créditos de abertura são inesquecíveis: o táxi passa entre a fumaça e o nome do filme vem à tona. Em seguida, a obra alterna imagens das ruas, de pessoas que invadem a noite, com o olhar de seu protagonista, Travis Bickle (Robert De Niro), já banhado no vermelho. Imagens da rua são “desintegradas”, “borram”, o que faz pensar na sociedade decadente aos olhos de seu “salvador”, o estranho herói – homem perturbado que voltou da Marinha – em busca de justiça.
Banhado em vermelho
Enquanto acompanha Wizard (Peter Boyle) para fora da lanchonete, já na calçada Travis depara-se com um grupo de arruaceiros. A câmera realça sua expressão quando encara um deles: difícil não perceber – como pouco antes indicava, no olhar ao negro no interior do estabelecimento – o ódio ao “diferente”. Com a luz vermelha, Scorsese leva a pensar no que envolve essa personagem: o desejo de limpeza, de usar a força, de derramar sangue logo será concretizado.
“Você está falando comigo?”
A sequência em que De Niro encara o espelho e repete várias vezes a mesma pergunta – “Você está falando comigo?” – entrou para a história e seria lembrada em outros vários filmes e séries – entre eles o interessante O Ódio, de Mathieu Kassovitz. Pronto para fazer seu banho de sangue – ou sua “justiça” –, Travis treina com essas armas, compradas de um vendedor que lhe oferece mais: o rapaz pacato, de terno, tem drogas e o que deseja o cliente. Tudo está à venda.
Um rosto na multidão
A câmera mostra as mãos e, elevada, registra o novo visual de Travis: com o cabelo cortado estilo moicano, escancara visualmente o nível de sua revolta, ou apenas a aproximação a um índio vingador contra o homem branco que prega a ordem. No palco, a figura desse homem branco pode ser vista em Palantine, o político que diz que “chegou o momento de o povo governar”. Talvez haja desconfiança por parte de Travis: as pessoas que vê todos os dias nas ruas, em sua anarquia, teriam condição de governar?
O resgate
Travis tenta libertar uma jovem prostituta (Jodie Foster) ao fim. A menina é a juventude dilacerada, aos olhos de Travis a principal vítima da sociedade que sonha limpar. Ele caminha por corredores escuros até chegar ao quarto em que mata o cliente da moça, enquanto ela grita. A sequência é poderosa, fria, com imagem granulada: poucas vezes o cinema foi tão realista e cruel. Em sua tentativa de libertação, o protagonista tenta libertar a si mesmo: coloca a arma no pescoço, aperta o gatilho, mas as balas acabaram.
SOBRE O AUTOR:
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (conheça seu trabalho)
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