O despontar de uma piedade absurda e deslocada é o tema deste filme de ficção, porque só um impulso, uma emoção, ou melhor, um paroxismo anímico dessa natureza parece concebível naquela circunstância. Além do recurso à poiesis [criação artística] em um marco histórico estrito, ou seja, uma ficção que ultrapassa por completo o documentário, László Nemes, seu diretor, um estreante de 38 anos, ambientou a trama no cenário mais recôndito, maldito e indescritível do devir humano. Mas nunca vemos esse espaço de tal modo a podermos percorrê-lo, desenhá-lo em nossas mentes, porque é mostrado fora de foco, em uma gama de verdes e ocres neutralizados no cinza, e porque a passagem de um ambiente a outro é sempre vertiginosa e caótica. Nem sequer os gritos e golpes nas portas da câmara – abafados sob as palavras que os personagens trocam – nos permitem captar pela audição as dimensões do lugar.
José Emilio Burucúa, escritor e professor de história moderna (El País, 12 de fevereiro de 2016; leia aqui o texto completo).
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