O musculoso Zishe Breitbart observa dos bastidores o que se desenrola no palco. Como uma criança, ele ri da comédia, de um ator que simula estar preso à sua mala, um ladrão que foge da Alemanha em cacos, entre guerras, à espera da salvação.
Logo é advertido pelo dono do teatro: não se deve rir por ali, apenas o público tem esse direito. E esse dono, tão autoritário, tão mesquinho, vivido por Tim Roth, tenta comandar a farsa com mão pesada, a louvar Hitler e apostar no ocultismo.
O teatro de ilusões, em Invencível, representa o controle sobre o povo da época, na Alemanha, quando nazistas estavam prestes a tomar o poder. Àquele público, parece sedutor acreditar na hipnose, no impossível.
No palco, a única verdade pertence ao grandalhão Zishe, justamente um judeu. Esse detalhe deve ser ocultado até certa altura da história: não pegaria bem ao teatro revelar que homem tão forte – capaz de quebrar correntes, entortar espadas – é um judeu.
O diretor Werner Herzog prefere que o bruto subverta expectativas: seu coração é maior do que parece, e ele pode realizar gestos surpreendentes – como se viu antes com o desajustado Kaspar Hauser em O Enigma de Kaspar Hauser, de 1975.
A dificuldade de viver segundo a farsa do palco faz a personagem revelar-se: segue ao público, retira a peruca loira e, para o desespero de todos, diz ser um judeu. Não demoram a surgir alguns gritos de “judeu sujo” e coisas do tipo, como se esperava.
Por caminhos impensáveis, com ritmo exemplar, Herzog conduz a esse estranho universo de inversões, com a emoção contida do homem musculoso, do qual se vê sentimentos presos, estranheza, simplicidade de quem dorme ao relento, tranquilo.
O homem de Herzog tem pureza, ainda sem corrupção, e ora ou outra assusta os outros com sua força, alguém que briga como se tudo não passasse de diversão – ou como se fizesse a briga mais fácil do que talvez pudesse ser.
Nesse caso, atacam-lhe as palavras. Não cabem nele, mas nos outros, principalmente no vilão – depois revelado judeu – ou mesmo no pequeno irmão que, na abertura, invoca a parábola sobre um príncipe que acredite ser um galo, que vive algum tempo como um galo e que só sai debaixo de uma mesa quando alguém se passa por outro galo e o convida a sair.
Ou seja, os galos serão como sempre foram. E para retirar o príncipe de seu “papel” será necessário entregar-lhe outro: o papel de um ser humano, talvez um líder.
Duas questões: ao acreditarem nas personagens desempenhadas, os homens não enxergam que estão sendo manipulados; e, com frequência, é necessário vestir uma máscara para continuar como sempre foram e negar a própria natureza.
No espaço do filme, Herzog leva a parábola para a situação de sua personagem central, interpretada pelo finlandês Jouko Ahola. De coração bom, ele torna-se a figura desejada pelos judeus, alguém forte o suficiente para representar a força do grupo.
Não demora nada para que seus pares ocupem parte das cadeiras do teatro. O local é então dividido: do outro lado, alemães tentam investir contra os inimigos. À frente, de volta a seu vilarejo na Polônia, em vão Zishe tenta alertar os judeus sobre o perigo dos nazistas. Como prova ao longo de Invencível, o poder da palavra não lhe pertence.
Em seus sonhos, ou delírios, ou apenas em um golpe certeiro de representações de Herzog, Zishe caminha sobre rochas cobertas por caranguejos. O espaço é aparentemente perigoso, estranho, de chão vivo, para se pisar com cuidado.
Nota: ★★★☆☆
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