Bastidores: Sangue Negro

O filme baseia-se numa obra de Upton Sinclair publicada em 1927. Conta a saga da corrida ao petróleo, desde os últimos dias do século 19, por empreendedores individuais como Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis). Ele é um homem rude, que cada vez mais é levado a se comportar com rudeza. A vida o enriquece, tanto quanto o embrutece. Plainview poderia não ser muito diferente de tantos outros personagens que aprendem com a vida a ser insensíveis. Mas Anderson e Day-Lewis o transformam em algo bem diferente de um homem, fazem de Plainview uma incontrolável força da natureza. A partir daí, temos que reconhecer que todas as ilações que se fizerem com Cidadão Kane serão pertinentes. E hesito um milhão de vezes em dizer, e jamais direi em tom jocoso, nem sob tortura, que Cidadão Kane é Cidadão Kane, e Sangue Negro é Sangue Negro.

Plainview, cuja vida foca-se progressivamente para a conquista do petróleo e da fortuna, encena cada encontro de negócios que vai ter; e a companhia de seu filho é parte essencial deste show. Quando o filho fica surdo em decorrência de um acidente, Plainview não hesita em abandoná-lo – e Anderson nos dá isso com grandeza e respeito; ele nos emociona sem ousar extrair da sua plateia a lágrima fácil. A trajetória do prospector de petróleo, baseada em comprar por baixo preço enormes lotes onde haja para ele evidencias da presença do óleo, ganha hegemonia sobre todas as suas outras vontades, sobre todos os valores possíveis sobre os quais uma vida possa ser feita. Plainview é confrontado com um jovem pastor de uma igreja evangélica (Paul Dano), a quem ele pessoalmente humilhou e cuja família ele explorou financeiramente. Mas agora a questão está entregue aos desígnios de Deus e do demônio. Num momento, Plainview se converte, no outro é o pastor que confessa ser um impostor. Não há traços de verdade nem num discurso nem do outro. Há, contudo, a implacável presença do inusitado em ambos os casos. À sua maneira, esses homens estão em busca de dinheiro e dedicaram suas vidas a essa missão. E estes atores estão no limiar da perfeição.

Nelson Hoineff, crítico, jornalista e cineasta, no site Críticos (fevereiro de 2008; leia aqui o texto completo). Abaixo, Day-Lewis e o diretor Paul Thomas Anderson.

Veja também:
Bastidores: A Liberdade é Azul
Vício Inerente, de Paul Thomas Anderson

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