Heroínas como Katniss Everdeen, da série Jogos Vorazes, são, para muitos jovens frequentadores de cinema, um modelo a ser seguido – às vezes frágeis, às vezes fortes.
A certa altura do novo filme da série, A Esperança – O Final, ela precisa dizer, mais de uma vez, que não há o que fazer senão matar o vilão. É como se justificasse, em outras palavras, o impensável: o único caminho à esperança passa pela morte.
A mesma heroína, bela e jovem, não consegue enxergar o que parece óbvio a qualquer adolescente: ela está sendo manipulada pelos líderes rebeldes.
Na verdade, a corajosa Katniss (Jennifer Lawrence) apenas muda de lado, mas continua como sempre. Sai da redoma dos jogos, vistos no primeiro e segundo capítulos, e cai na redoma do mundo real, espaço em que a manipulação dói ainda mais.
Contra essa manipulação de fundo político, a esperança é a própria heroína: emoção pura, menina que não esconde suas lágrimas e seu amor pelo próximo, representação de um cinema juvenil feito para agradar o chamado “público médio”.
Se no mundo à beira do caos de Katniss ainda pode ser salvo, o mesmo não se pode dizer do mundo desértico da Furiosa de Charlize Theron (abaixo) em Mad Max: Estrada da Fúria. Dominado por um ditador que joga água sobre os maltrapilhos com sede, ela quer fugir e, talvez, reencontrar um velho e belo mundo, o paraíso inexistente.
Nesses filmes, mais diferentes do que parecem, o ambiente e as possibilidades para o futuro dizem muito sobre suas guerreiras futuristas.
Em Mad Max, o “paraíso”, lá pela metade do filme, revela-se um campo sujo, escuro, com quase nenhuma vida. O paraíso virou inferno. Diferente da possibilidade de terminar com beleza, como Jogos Vorazes, o que resta é o caos.
Não que seja mais realista por isso. O realismo, no caso do filme de George Miller, tem a ver com a abordagem: a rejeição a heróis infantis como Katniss, levados a derrotar o mal com doses pesadas de manjado sentimentalismo.
Furiosa encontra a perda em sua corrida para salvar outras moças do ditador malvado. Vai ao deserto para continuar nele, preso à sua vastidão – depois obrigada a retornar a seu ponto inicial, em guerra, sob os gritos dos maltrapilhos.
Outro tipo de heroína, dessa vez realista, é a Sandra de Marion Cotillard (abaixo). Em Dois Dias, Uma Noite, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, ela não encontra nem a destruição nem a salvação, e precisa revelar bravura a partir de suas complicações.
Antes dos outros, enfrenta a si mesma, suas crises, seu espelho. Sandra esteve afastada do emprego devido à depressão. Aparentemente recuperada, descobre que sua cabeça foi colocada a prêmio em seu trabalho: os outros funcionários tiveram de escolher entre um bônus em dinheiro e a permanência da protagonista no cargo.
De porta em porta, tem início a peregrinação de Sandra: ela terá de convencer os outros a votar a seu favor e contra o bônus, enquanto quase todos enfrentam problemas financeiros. Crise econômica de um lado, humana de outro.
O cinema, então, permite a existência de uma heroína adulta, sem esconder fraquezas, que encontra na rendição, ao fim, sua vitória. Serve um público adulto, interessado em heróis que compreendem ser menores que o mundo, seu sistema e sua política suja.
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