É na televisão que o caçador de tragédias encontra espaço. Ao longo de O Abutre, Louis Bloom fala em oportunidade, em ter emprego. É um dos muitos em busca de uma vaga no mercado – qualquer mercado.
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Pelas ruas, à noite, esse abutre descobre que pode ganhar dinheiro registrando acidentes, tiroteios e incêndios, o que há de chocante para servir a televisão. Os canais estão dispostos a pagar pelo material. Da aparente crítica à sociedade do espetáculo em que tudo cai na telinha, o diretor Dan Gilroy passa a algo ainda mais ambicioso: é sobre um homem que deseja construir uma carreira.
Por trás dos gestos repulsivos do abutre, repousa o belo sistema dos estúdios de televisão; mais ainda, e na mesma televisão, o casal de apresentadores na bancada, prontos para liberar as imagens captadas na noite anterior: suas tragédias.
Maquiagem e maldade convivem em igual medida: é um filme insuportável sobre o desejo de vencer em universo cada vez mais desleal, desumano, sob os belos – mas falsos – contornos da mídia em questão.
Não por acaso, a música mais parece servir ao encerramento de um drama sobre pessoas honestas do que ao suspense sobre seres sem escrúpulos como Louis Bloom, personagem fascinante vivido por Jake Gyllenhaal. Com o ator, outro contraponto: seu rosto de bom moço aos poucos ganha novas particularidades, e aos poucos faz nascer alguém monstruoso.
Bloom encontra em um canal de televisão a parceira perfeita. Nina é vivida por Rene Russo, nova versão da personagem de Faye Dunaway em Rede de Intrigas: ambiciosa e capaz de tudo para chegar aos sonhados índices de audiência. Quando discute com outro funcionário sobre colocar no ar ou não uma imagem que envolve sangue, ela não tem dúvidas: o material deve “subir”. Mesmo que no horário do café da manhã.
Por outro lado, ela fica na defensiva, reluta a usar o sexo para prender Bloom. O filme sugere que ambos têm algo além da relação profissional – ou, curioso, sugere que esse “algo mais” compõe apenas uma falsa ideia de proximidade, outra camada do tabuleiro.
Outra personagem interessante é Rick (Riz Ahmed), o assistente de Bloom. A ideia é expandir, formar uma empresa. O rapaz recém-chegado é o primeiro degrau para que isso aconteça e, como se vê à frente, o último para que a empresa decole. Ao lado do chefe, ele negocia, aprende a fazer o jogo do outro. Deseja que trabalhos perigosos – e que darão uma boa quantia ao chefe – rendam-lhe mais.
A tragédia que nasce dessa relação, no fundo, não chega a ser imprevisível. A determinada altura, como outros, Rick será descartado. No cotidiano do trabalho, em bastidores, o espectador encontra a competitividade, o desejo de ser o primeiro a chegar, a disputa pelo fato e, indispensável em O Abutre, a trapaça.
(Nightcrawler, Dan Gilroy, 2014)
Nota: ★★★★☆
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