O Amor é Estranho, de Ira Sachs

As lágrimas são inesperadas ao longo de O Amor é Estranho. Há, por exemplo, o momento em que o professor de música vivido por Alfred Molina chora ao ouvir uma de suas alunas tocar piano. E há o choro do garoto, guardado, no encerramento, após descer algumas escadas, antes de andar com seu skate pela rua.

Inconstantes, os sentimentos revelam-se com naturalidade. O amor perdura e pode ser estranho: está no olhar dos dois homens mais velhos, naquele apertado beliche, quando resolvem dormir juntos, quando não têm mais um teto.

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o amor é estranho

Os problemas de George (Molina) e Ben (John Lithgow) começam quando resolvem se casar, após 39 anos de união. O dia da cerimônia é simples: levantam da cama e se trocam como em qualquer outra data. Vão caminhando até o local do casamento.

O diretor Ira Sachs não deixa escapar a simplicidade, não apela ao drama pesado. Nem por isso toma distância: suas personagens são humanas, sofrem, sobretudo quando precisam se separar. Nesse caso, o casamento torna-se um problema.

Professor de música em uma escola conservadora, administrada por um padre, George perde o emprego. O casal não poderá manter os gastos com o apartamento. Ficam sem local para morar e são abrigados temporariamente pelos amigos. E percebem, ao longo da obra, a difícil convivência com o outro, com os “próximos”. Ou a simples dificuldade de estarem em ambientes diferentes.

Os amigos veem-se obrigados a dar apoio, o que nem sempre é natural. O amor de George e Ben é forte, inclui companheirismo; o amor dos outros por eles é estranho, o que parece justificar o título da obra. Por que as pessoas suportam as outras? Existe alguma obrigação nesse pacto entre diferentes, amigos ou parentes?

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Pois para Ben não será fácil viver com o sobrinho, com sua mulher escritora e com o filho adolescente. É outro mundo, no qual não se fala a todo o momento (a mulher quer silêncio) ou se comunica com facilidade (o adolescente não disfarça seu desconforto). O Amor é Estranho coloca em dúvida a presença do amor entre pessoas. Em caminho oposto, o melhor desse drama está no amor entre dois homens, na aproximação apesar da distância: o modo como ainda reina a simplicidade.

São pessoas comuns que dividem problemas, que saem no meio da noite, à chuva, em busca da companhia do outro, de um papo franco em um bar. Ainda mais, é nesse mesmo papo franco que entendem as transformações: o bar não é mais o mesmo.

E, quem diria, o casamento – consumação do amor – serve aqui à separação temporária desses dois homens. No fundo, estranhos são os outros. Resta ao casal entender o quanto isso pode ser doloroso, e o quanto pode servir de aprendizado.

Entre tantos obstáculos, a arte é uma possibilidade de fuga – no som do piano que leva às lágrimas, ou no quadro que retrata um jovem rapaz no telhado, com seu skate, apenas um modelo perdido à frente da cidade grande. Ao fim, esse mesmo quadro retorna. Momento para entender a única forma de eternizar a juventude: a arte.

(Love Is Strange, Ira Sachs, 2014)

Nota: ★★★☆☆

Veja também:
As Montanhas Se Separam, de Jia Zhangke

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