Vício Inerente, de Paul Thomas Anderson

Para alguns, drogar-se é buscar a janela de outro universo, distante da realidade opressora. No caso de Vício Inerente, de Paul Thomas Anderson, fica a impressão de que a chata realidade persegue o protagonista drogado.

Ou o que parece chato em seu mundo, na Los Angeles do início dos anos 70: os policiais engomados, os prédios quadrados, a beleza falsa. Contra tudo isso, os pés sujos do herói ajudam a dar a ideia desse terreno de misturas.

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É nesse terreno, nessa confusão, que Vício Inerente estabelece-se: permite que a busca pela liberdade, assim, seja irônica, enganosa, aprisionada pelo quebra-cabeça ao qual Larry “Doc” Sportello (Joaquin Phoenix) sempre é levado.

A trama policial, como em um velho filme noir, fornece os problemas. As drogas – e o bando de viciados, gente “estranha” – comem pelas bordas, insinuam-se a todo o momento, como se as pessoas fossem movidas a elas – como em Boogie Nights.

Doc é alguém aprisionado. Não se sabe se chegou a esse resultado pelas drogas ou pela paranoia. Convive com ambas. E não parece se preocupar com tudo ao seu redor: está constantemente em um estado de deslocamento, ou tranquilo demais.

A paranoia, apesar de passar longe da realidade, ajuda a lembrar do mundo concreto, cinza, de gente inconfiável. Há política ao fundo, Nixon, o FBI, e talvez o negócio das drogas possa estar ligado a alguns desses homens poderosos.

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É um desfile de esquisitices, nem sempre levado a sério pelo cineasta: há dentistas que exploram viciados em heroína; policiais que fracassam ao tentar a carreira de ator e que buscam um novo Charles Manson; exploradores imobiliários (ricos, claro) que descobrem que talvez as pessoas não precisem pagar por uma casa.

Os choques de Doc com esses seres estranhos são imprevisíveis. Ele – detetive com grandes costeletas e cabelo bagunçado – está na divisa entre dois tempos, nas festas regadas a certa libertinagem e cercado pelas autoridades, por aquele ambiente de paranoia que marcaria o fim do sonho americano, com o Watergate à porta.

A trama – se é que existe – leva-o a procurar a ex-namorada. Ela esteve envolvida com um poderoso empresário do ramo imobiliário, que também desaparece. Essa busca leva-o a traficantes, prostitutas, gente da Justiça, um barco não tão distante e também a um bando de neonazistas com tacos de beisebol.

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Ainda que nada faça muito sentido no universo criado por Anderson, a partir do livro de Thomas Pynchon, o que fica é sempre o retrato de um país estranho, o fim de algumas verdadeiras paixões, a castração da liberdade.

Resta, portanto, a imagem do detetive sempre drogado, à base dessa material que lhe fornece o oposto à liberdade: sua “viagem” para descobrir o labirinto, para deparar-se com sua “trama”, para viver como um herói de Chandler, à beira de belas meninas desaparecidas, de pais ricos, inconfiáveis, e dispostos a pagar para tê-las de volta.

A droga, para ele, talvez seja nada mais do que a porta para essa deliciosa prisão, o encontro com as peças de sua “trama”. Em Los Angeles, ficção e realidade confundem-se. É o ambiente perfeito à investigação desse detetive de pés sujos.

(Inherent Vice, Paul Thomas Anderson, 2014)

Nota: ★★★★☆

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