Nascido em 4 de Julho, de Oliver Stone

O primeiro 4 de julho é infantil: crianças correm de um lado para outro, entre o barulho dos fogos de artifício, entre a multidão, à beirada, próximas aos carros que desfilam pela rua, com sobreviventes de guerras passadas mesclados às danças e bandas.

Já é possível ver a geração do rock por ali, com jaquetas de couro, anunciando as mudanças. Essas alterações – ou deformações, o que torna mais interessante – surgem aos poucos em Nascido em 4 de Julho, de Oliver Stone.

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O filme tem algo estranho, como se o sonho – embalado pela trilha sonora – não se despregasse nunca da trajetória da personagem central, Ron Kovic (Tom Cruise). Algo infantil ainda paira por ali. No início, a mãe de Ron diz que sonhou com ele em um importante discurso; ao fim, ele então conquista esse discurso, o direito de falar, mas de outra forma: ao invés de apoiar a guerra, torna-se seu opositor.

Stone parece dizer sempre a mesma coisa, e sempre por caminhos alternados: Kovic, apesar de tudo, ama seu país. Não é um traidor, como apontam os jovens engravatados, ao fim, naquela convenção que colocou o nome de Nixon na corrida à reeleição.

Ali, em meio à multidão, quando a guerra do Vietnã ainda estava em curso, Kovic era o penetra, o traidor; anos depois, chega a hora de seu discurso: é o momento em que ele, enfim, pode entrar pela “porta da frente”, aplaudido.

Durante a vida, Kovic quase sempre teve de entrar pela “porta de trás”, pois não sabia que algumas não estariam abertas. Ou não sabia que seria necessário escancará-las, bater com os pés, e ir à luta – mas de outra forma, com outro pelotão.

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As descobertas transformam. Ao longo do filme, surgem dois homens diferentes. Ele passa do rapaz sonhador ao homem revoltado com as escolhas de seus governantes, transformado pelos dias no hospital, pelos dias em sua cadeira de rodas, ouvindo os outros dizerem que a ida ao Vietnã – na luta contra o comunismo – foi um erro.

O rapaz, depois o homem, tem de conviver com isso. E tem de descobrir à base das pancadas: em alguns momentos, com a moça que amou e se tornou hippie; depois, com os outros cadeirantes, sempre aos gritos, tendo de apontar o dedo àqueles que parecia amar em seus dias de alienação, de amor à bandeira.

Ora ou outra, Stone volta ao rosto de Cruise, em sua melhor interpretação. Mantêm seus dentes grandes à mostra, seu olhar desesperado, como se o perdedor residisse na impossibilidade de assumir o erro, não no rapaz que voltou baleado da guerra, o conflito de erros.

Isso inclui a matança de camponeses inocentes no Vietnã, também a morte de um soldado americano pelo seu próprio rifle. Tem de conviver com esses erros, com essa imagem. Tem de suportar o choque de realidade, as transformações, as luzes das câmeras que fazem tudo retornar à tela (e a ele) – em um dos golpes dramáticos de Stone, sem dúvida eficiente.

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Da noite chuvosa ao som de “Moon River”, Kovic parte para a guerra. O diretor leva seu protagonista do céu ao mundo como ele é, do sonho à realidade, com um movimento certeiro de câmera. A guerra é avermelhada como o próprio inferno.

Em sua cruzada por “portas traseiras”, Kovic precisa redescobrir o heroísmo: precisa confessar seus crimes, precisa aceitar que estava do lado errado, que foi levado pelos sonhos do discurso, pelas velhas histórias contadas por outras gerações.

A certa altura, ele precisa encontrar a família do parceiro que matou acidentalmente. Naquela casa afastada, com cães amarrados ao entulho do lado de fora, Stone chega, enfim, ao coração dos Estados Unidos: gente que ainda crê no conflito apesar da morte do filho, com medalhas, com a criança que aprende a empunhar o rifle. É o momento-chave: naquela pequena casa, Kovic vê seu próprio passado.

Nota: ★★★★☆

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