Dois samurais aproximam-se da morte ao longo de Harakiri, de Masaki Kobayashi. Eles desejam cometer o suicídio com honra, como aponta o título. E, com esses gestos, alcançar outro objetivo. Para cada guerreiro o haraquiri tem um significado.
O primeiro espera ser persuadido do contrário pelos líderes de um poderoso clã e, dessa forma, conseguir ajuda para continuar vivendo. Sua intenção é cuidar da mulher e do filho, ambos à beira da morte.
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Mais interessante é o segundo caso, no qual o samurai – ao repetir o gesto do primeiro, inclusive com palavras semelhantes e às portas do mesmo clã – está em busca de vingança. As vidas desses guerreiros estão ligadas: o primeiro é genro do segundo e, como se verá, a presença deles no mesmo local não é obra do acaso.
Mais do que essa história, o filme de Masaki Kobayashi questiona as mudanças no Japão em que é ambientado. Os velhos samurais, em meio à miséria e à extinção dos clãs, são obrigados a vagar sem rumo. Alguns se tornam comerciantes, outros professores e pais de família.
Tudo tende a piorar: o velho guerreiro vê sua família desintegrar-se, vê o desespero do genro que chega a vender sua espada para conseguir dinheiro, vê o neto doente e a filha com sangue na boca, também sem forças para seguir em frente.
A miséria talvez ainda não tenha penetrado os grandes castelos, com suas regras do mundo passado – o que inclui o haraquiri, considerado gesto nobre. Os homens de fora sofrem ao cruzar essa linha, talvez por encontrar um universo estranho, de guerreiros prontos a matar, a cumprir o ritual do suicídio assistido.
Kobayashi arquiteta algumas das melhores sequências já feitas em filmes de samurai. Explora os espaços com perfeição. Seus closes dão vez a movimentos de câmera de tirar o fôlego, de um lado para o outro. O diretor demonstra assim a dificuldade de seu protagonista, que conta tal história trágica cercado de homens e espadas.
Ao mesmo tempo, evidencia sua força: de fala firme, ele fica ali por longo tempo, deixando os outros paralisados ao contar sua trajetória.
Sabe-se cedo que nada terminará bem. Sua história é contada com calma. Engenhoso, o roteiro ainda abre espaço para o mistério: antes de o velho guerreiro confessar os motivos que o levaram até ali, o líder do clã que o recebe lembra a passagem do outro samurai, que esteve no local, meses antes, disposto a praticar o haraquiri.
Enquanto é observado com atenção, o samurai mais velho tem todo o tempo do mundo para se explicar. E mais: tem o direito de escolher o guerreiro que irá decapitá-lo. Nesse ponto, as intrigas começam a aparecer. Cada homem que ele escolhe tem uma desculpa para não estar ali. Nada é por acaso.
Kobayashi leva a uma grande história de vingança. Ao longo dela, percebe-se a força do diálogo, do drama, mais do que a força das batalhas e da violência. Prefere o clima que antecede o conflito: a caminhada dos samurais entre túmulos, o vento da colina, o olhar trocado antes de cada golpe.
Sua personagem vence com palavras. Deseja devolver ao homem o que lhe pertence. Para tanto, compra uma guerra contra o grande templo, em um filme sobre guerreiros contra grandes estruturas, contra a polidez e os rituais que antecedem a carnificina.
(Seppuku, Masaki Kobayashi, 1962)
Nota: ★★★★★⤴
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