O tempo passou e os vampiros de Jim Jarmusch ainda tentam encontrar graça na vida. Nem sempre conseguem. Esses vampiros vagam pela noite, dosam a quantidade de sangue que tomam, são impassíveis e brancos: poderiam ser como outros vampiros, de qualquer outro filme, caso se comportassem como eles.
Não são monstros, e talvez estejam mortos. Amantes Eternos retoma uma situação cara a Jarmusch, presente outras vezes em sua filmografia: personagens deslocadas buscam encontrar espaço no mundo, ou simplesmente uma raiz.
O casal central, apaixonado, é formado pelo roqueiro Adam (Tom Hiddleston) e por Eve (Tilda Swinton). Como fica evidente, Adão e Eva, mas talvez ao contrário: com eles, o mundo não começa. Apenas continua, sem fim.
Vagam pela noite, às vezes ficam em casa – quase sempre às sombras. O filme todo se passa à noite, ou no escuro da casa, em interiores, ao som de velhos discos, de qualquer sinal que retire os vampiros desse mundo caótico, sem sentido.
Talvez o sentido esteja no amor. A vantagem de viver na eternidade, ou quase, é eternizar os sentimentos. Homem e mulher juntos, Adão e Eva, o que parece ser – para eles, pelo menos – o que há de belo na existência.
O filme de Jarmusch é sobre a dificuldade de se manter como sempre, sem ser refém do tempo, ou sem se deixar abalar pelos velhos hábitos: os amantes preferem a civilidade à carnificina. Por sinal, compram sangue e não perseguem ou atacam pessoas.
São, também, como parecem ser os vampiros: com dentes longos e amostras de prazer ao beber sangue, assim como frágeis à madeira cravada no coração.
Em seu próprio mundo, isolado, Adam recebe as visitas de Ian (Anton Yelchin), seu contato com as luzes, ou com o que vem do lado de fora da velha casa (quase um castelo). Ian oferece guitarras raras. Mais tarde, consegue atender ao pedido de Adam: fornece-lhe uma bala feita de madeira, perfeita para matar vampiros. Pedido sob medida a alguém como o protagonista, inclinado ao suicídio.
Após passar um tempo em Tânger, no Marrocos, Eve retorna aos braços de Adam, que vive em Detroit. Há, nesses dois pontos, dois mundos: o primeiro, mais velho, é feito de vielas, de labirintos; o segundo, uma amostra do mundo moderno que não deu certo: esquecido, vazio, destruído como em um filme futurista.
O cotidiano de Adam sofre abalos com a chegada da irmã de Eve, Ava (Mia Wasikowska). A menina não foge às manias de sua espécie: gosta de ser vampira e, a certa altura, não resiste a um pescoço. Para o casal ao centro, a menina tem a jovialidade que não faz mais sentido, a alegria e o desejo de viver em um universo de sombras.
Ela contrasta o casal pacífico, às vezes mais vampiro do que antes. Jarmusch entrega seres melancólicos, perdidos, sem muito a dizer. Os ambientes e o clima construído – como se sempre estivessem perto do fim – chamam a atenção.
Quando Ava aparece, é como se os vampiros voltassem, em curto tempo, a ser o que se espera deles. Antes infantis ou caricatos, ou menos reais como o cinema sempre se empenhou em mostrar, eles mudaram: são mais humanos do que se pode esperar.
Nota: ★★★☆☆