Entrevista: Ivonete Pinto

Em uma viagem ao Irã, Ivonete Pinto teve a oportunidade, em um auditório lotado, de fazer uma pergunta ao cineasta Abbas Kiarostami. O conteúdo da questão dizia respeito a um conterrâneo do diretor de Cópia Fiel, Jafar Panahi, em prisão domiciliar a mando do regime de Mahmoud Ahmadinejad. Ivonete perguntou “o que ele, com toda sua força, iria fazer para tentar tirar Panahi da prisão”. E o público respondeu à sua maneira: aplaudiu não apenas a resposta de Kiarostami, que disse que jamais havia visto uma situação como aquela em seu país, mas também a pergunta da brasileira.

Do outro lado da trincheira, como entrevistada, a professora adjunta do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal de Pelotas e editora da revista Teorema não faz muitos rodeios para responder às perguntas da entrevista abaixo, concedida ao Cinema Velho.

Ler as entrevistas feitas com diversos cineastas e pensadores por Ivonete, na Teorema, é como embarcar em suas viagens, em questões que a mesma já definiu como “aula de cinema”. Em uma delas, com o também iraniano Mohsen Makhmalbaf, a jornalista passa por filmes que o mestre viu na infância, como Fahrenheit 451, de François Truffaut (justamente sobre uma ditadura que queima livros), ou mesmo por experiências vividas pelo diretor na realização de Close-Up, de Kiarostami, e no qual aparece como ele próprio.

Ivonete nasceu em Canela, no Rio Grande do Sul. Fez cinema como atriz e dirigiu dois médias em super oito. É jornalista, mestre em Comunicação pela PUC-RS e doutora em Cinema pela USP. Foi uma das fundadoras e a primeira presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Além de compor o grupo de fundadores, atualmente ela é vice-presidente da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Sobre seus filmes “de cabeceira”, a professora diz que não tem. “Mas tem filmes que sinto enorme prazer cada vez que revejo em sala de aula, com os alunos, como Os incompreendidos, O Desprezo e Deus e o Diabo na Terra dos Sol.”

Antes da entrevista, vale um pequeno parêntese sobre a Teorema, na qual ela atua como uma das editoras. Trata-se de uma rara publicação (ou seria única?) impressa no país dedicada totalmente ao cinema fora do eixo comercial, com análises e ensaios de profundidade. Perto de sua vigésima edição, a revista não é lá muito fácil de encontrar, mas vale a procura. Pelas páginas estão interessantes entrevistas feitas por Ivonete e artigos de críticos variados, sobre produções de cantos diferentes do mundo. Um bom exemplo, por isso, àqueles que perderam suas esperanças quanto ao nascimento de uma publicação de cinema de qualidade no Brasil.

Como surgiu a paixão pelo cinema? Alguma influência familiar ou próxima?

Nenhuma influência familiar. Talvez tenha surgido desde criança, pois acompanho o Festival de Gramado. Sou de Canela, vizinha de Gramado, e comecei a ver filmes muito cedo. Aos 17 anos, ao entrar na faculdade, comecei a fazer teatro com um grupo que logo começou a fazer cinema, ainda no super 8. Pessoas como o Werner Schünemann (ator e cineasta gaúcho) e o Rudi Lagemann (ator, cineasta e roteirista gaúcho) faziam parte do grupo.

Vivemos em um país onde está cada vez mais raro ver pessoas que realmente pensam e interpretam o cinema com brilhantismo nos veículos de comunicação e na internet. Ou mesmo que param para viver e interpretar artes em geral. Em contrapartida, o país nunca ofereceu tantas possibilidades de cursos e graduações. Existe algum paradoxo entre o ensino e a produção cultural?

Sim, é um paradoxo, mas por outro lado nunca se teve tanto acesso a tantos diferentes meios de veiculação de produtos audiovisuais. O crescimento do número de escolas de cinema é o reflexo deste novo cenário.

Parece cada vez mais difícil, também, surgir uma revista de peso e circulação nacional, com venda em bancas. Acha que existe alguma chance de uma revista nos moldes da Cahiers, por exemplo, dar certo no Brasil em circulação nacional?

Não sei. Não sei quem bancaria tal aposta. A Teorema, mal comparando, é uma revista que vende pouco, para um publico super segmentado, e sabemos que as pessoas esperam hoje encontrar tudo na internet, não querem gastar.

Procurei e não encontrei. A Teorema não está na internet? Acha que uma versão on-line não chegaria a mais pessoas?

Certamente chegaria, mas seria ainda outro esforço nosso. Nós, os seis editores, já bancamos a publicação, e colocar na internet requer outro investimento. Além do mais, temos nosso publico fiel, que tem, talvez, o fetiche do papel: gosta de guardar os exemplares para consultar depois ou simplesmente ter ali, à disposição.

O público da Teorema é formado apenas por críticos e cineastas ou existem outros públicos que estão descobrindo a revista? Como ela se mantém financeiramente?

No inicio, há 10 anos, tentamos viabilizá-la comercialmente, mas não valeu o esforço. Preferimos agora dividir os custos entre os editores e produzi-la como gostamos, sem nenhuma concessão a um público que não nos interessa. Além dos leitores que você citou, temos cinéfilos e estudantes de cinema e outras áreas afins.

Você chamou a entrevista que fez com o professor Michel Marie de “aula de cinema”. O que você aprende em conversas com esses grandes mestres? Poderia citar outros nomes com os quais teve o privilegio de conversar ou entrevistar e dizer o que eles pensam, em geral, do cinema brasileiro?

Dizer o que eles pensam daria um pouco de trabalho, não é… Melhor consultar as 19 edições. Claro que sempre aprendemos com nossos entrevistados, caso contrario não teria sentido. Destaco a entrevista com o professor Ismail Xavier (professor da ECA), com o Manoel de Oliveira (cineasta português), Ruy Guerra (cineasta), Amos Gitai (cineasta israelense) e Giba Assis Brasil (cineasta gaúcho).

O título da revista na qual você escreve serve também a um famoso filme de Pasolini, dos anos 1960. O que a obra significa para você? Os títulos (do filme e da revista) têm alguma ligação?

Sim, é uma homenagem ao clássico do Pasolini. Significa que é um filme que não envelheceu. Ao contrario, aquela figura estranha (personagem de Terence Stamp, que invade a vida de uma família e, aos poucos, destrói a todos) que chega e modifica tudo é sempre uma figura moderna no cinema.

Ainda sobre a época do filme de Pasolini, havia grande efervescência cultural, política e contestadora. Na França, os episódios de 1968 são muito conhecidos. Não acha que um pouco de contestação, como nessa época, ajuda na realização de filmes de protesto e de boa qualidade? Ou acha que política e arte não devem se misturar?

Não sei. A arte é sempre política de uma certa forma, não se pode reduzir o sentido de “política”. A questão é: tem quem sabe e quem não sabe “misturar”. Cinema panfletário é um horror, cinema político é outra coisa…

Consegue lembrar de algum filme político que transcendeu o tempo – e a política – sem soar panfletário?

A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo.

Quem melhor representa a crítica de cinema hoje no Brasil e que você costuma ler para enriquecer seu conhecimento?

Sempre que Ismail e Jean-Claude Bernardet (teórico e pensador) escrevem, é algo muito acima da média. Gosto do Inácio Araújo (crítico de cinema da Folha de São Paulo), do meu presidente Luiz Zanin (presidente da Abraccine, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e crítico do jornal O Estado de São Paulo). Do meu colega da Teorema, Éneas de Souza, do meu colega da Abraccine João Nunes (crítico do jornal Correio Popular). Os outros são críticos já mortos, que admiro.

Os grandes mestres do cinema, na atualidade, estão concentrados nos países orientais? Ou é difícil, ainda, fazer tal colocação?

Difícil…

Leia aqui a entrevista de Ivonete com Mohsen Makhmalbaf.

Rafael Amaral (28/03/2012)

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